O que significa na prática o reconhecimento do Estado da Palestina?
Após reconhecimento do Reino Unido, Palestina inaugura embaixada em Londres França, Bélgica e Mônaco reconheceram oficialmente o Estado da Palestina na últ...

Após reconhecimento do Reino Unido, Palestina inaugura embaixada em Londres França, Bélgica e Mônaco reconheceram oficialmente o Estado da Palestina na última segunda-feira (22), durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. No domingo (21), Reino Unido, Austrália, Canadá e Portugal também anunciaram o reconhecimento. Nos próximos dias, outros países ocidentais devem seguir o mesmo caminho durante a Assembleia, apesar dos protestos de Israel. ✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp Até agora, mais de 140 países já reconheceram o Estado palestino, entre eles o Brasil. A maioria das recentes declarações europeias sobre o reconhecimento do Estado palestino é uma decorrência da campanha militar israelense em Gaza, que já matou mais de 65 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde do governo do Hamas. Na última terça-feira (16), uma comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU acusou Israel de estar cometendo genocídio em Gaza. Israel e seu principal aliado, os Estados Unidos, rejeitaram o relatório e qualquer iniciativa de reconhecimento da Palestina. Para eles, isso significaria uma recompensa ao terrorismo, numa referência aos ataques de 7 de outubro de 2023, quando militantes do Hamas mataram cerca de 1.200 pessoas em Israel, dando início à atual ofensiva militar em Gaza. Apenas 'ações performáticas' Homem segura bandeira da Palestina durante confronto com forças de Israel, em 27 de janeiro de 2023 Mohammed Salem/Reuters Até mesmo apoiadores da criação de um Estado palestino reconhecem que o gesto, isolado, é insuficiente. “Os países ocidentais adotam medidas simbólicas, enquanto os palestinos seguem sem justiça e sem um Estado funcional, vivendo uma distância cada vez maior entre a realidade e as declarações internacionais”, afirmou a ativista Ines Abdel Razek, do Instituto Palestino para Diplomacia Pública, em Ramallah, em artigo publicado pelo think tank Al Shabaka. Na quarta-feira (17), o colunista Owen Jones, do jornal britânico The Guardian, escreveu que “todas as ações tomadas contra Israel foram performáticas, pensadas para conter a pressão da opinião pública por medidas concretas”. Outra dúvida é como Israel reagirá à nova onda de reconhecimentos. “O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem um longo histórico de desafiar os demais membros da ONU”, analisou Richard Gowan, especialista em Nações Unidas do think tank International Crisis Group, em artigo para o portal americano Just Security. Segundo ele, um dos cenários que preocupa diplomatas é a possibilidade de Netanyahu – que afirmou na semana passada que "não haverá um Estado palestino" – possa responder ao processo de reconhecimento anunciando planos para anexar formalmente partes dos territórios palestinos. O reconhecimento, sozinho, tampouco encerra a guerra na Faixa de Gaza. “Trata-se de um substituto equivocado para boicotes e sanções que deveriam ser aplicados contra um país que perpetua o genocídio”, escreveu em agosto o colunista Gideon Levy, do jornal israelense Haaretz. “É apenas uma declaração vazia.” Especialistas jurídicos lembram ainda que se trata de duas questões distintas: ser ou não ser reconhecida como Estado não muda a obrigação internacional de todos os países de agir, diante da suspeita de genocídio, para tentar impedi-lo. Simbolismo importante O reconhecimento de um Estado palestino pode fortalecer a defesa de um cessar-fogo em Gaza. No periódico acadêmico The Cairo Review of Global Affairs, o analista político egípcio Omar Auf destacou que autoridades palestinas já haviam tentado aderir às Convenções de Genebra em 1989, mas foram rejeitadas pela Suíça porque, segundo os suíços, havia incerteza sobre a existência de um Estado palestino. A especialista em negociações de paz Nomi Bar-Yaacov, do Centro de Política de Segurança de Genebra, disse à DW que o reconhecimento nada muda de imediato. "Mas dá aos palestinos uma participação muito maior nas negociações, porque quando se negocia Estado perante Estado não é o mesmo que negociações entre um Estado e um Estado não reconhecido ou que é apenas uma entidade." Israel envia mais uma rodada de panfletos determinando a retirada de Palestinos da Cidade de Gaza O reconhecimento por outros países pode ser visto como uma valorização diplomática. Quem reconhecer o Estado palestino precisa também rever suas relações com a Palestina, bem como as obrigações legais associadas. Isso pode levar a uma revisão das relações com Israel. Tudo isso, porém, tem um caráter muito simbólico, observa o analista Hugh Lovatt, do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR). "Simbolismo não é necessariamente algo ruim. Se for considerado quem está reconhecendo – França e Reino Unido, em especial – trata-se de uma importante reafirmação dos direitos e da autodeterminação dos palestinos, do direito de viver livre da ocupação, do direito à soberania e assim por diante." "[O reconhecimento] deve ser visto como o percurso da viagem", disse Lovatt. "Podemos não chegar lá amanhã, mas a trajetória está clara." Medidas práticas Mas medidas simbólicas devem ser acompanhadas de medidas práticas. "Reconhecimento não é política, é um início. O verdadeiro trabalho começa no dia seguinte", afirmou o analista político Anas Iqtait, da Universidade Nacional Australiana, num artigo para o think tank Middle East Council on Global Affairs, sediado em Doha. Em Bruxelas, na última quarta-feira (17), a chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, incentivou os países-membros a aumentar as tarifas sobre alguns produtos israelenses e a sancionar colonos israelenses e dois ministros de Estado, o das Finanças, Bezalel Smotrich, e o da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, ambos da ultradireita israelense. Essas são medidas que especialistas do ECFR já haviam recomendado. Uma fonte em Bruxelas disse à DW que a Itália, que sempre se opôs à interrupção do financiamento científico da UE para Israel, poderia abandonar suas objeções em breve. Palestina em campo de refugiados cobre o rosto após bombardeio israelense derrubar prédio na Cidade de Gaza, na Faixa de Gaza, em 5 de setembro de 2025. REUTERS/Ebrahim Hajjaj Ataques de Israel matam ao menos 34 pessoas em Gaza